sexta-feira, 14 de outubro de 2016

AS DIFERENÇAS DA LÍNGUA


Conversas de bar são, além de divertidas, instrutivas. Aprende-se sobre o mundo quando pessoas de diferentes sintonias dividirão a conta no final. Mesmo com pensamentos contrários ou vivências culturais distintas, numa mesa com cerveja, drink, refrigerante, após o primeiro gole, parece que tudo se torna igual. Fritas com filé será a porção comunitária, no prato em que todos distribuem seus palitos. Quer melhor expressão da igualdade?

Em um bate-papo sem pretensões filosóficas nem políticas, proibido era falar de religião, futebol, impeachment, mas o assunto foi também essencialmente profundo: as diferenças linguísticas encontradas no Brasil para definir coisas simples. Um bom-despachense, um piauiense, dois belo-horizontinos, um gaúcho que se intrometeu ao ouvir a discussão. Os três mineiros, que poderiam se entender na mesma língua, porém com vocabulário amplo, terminavam as frases com uai, duvidando das colocações dos companheiros de “idioma”. Seria por causa da proteção da Serra do Curral que os nascidos em Belo Horizonte não entendiam o dialeto vindo de Bom Despacho, uma cidade tão próxima à capital de Minas, contudo distante, sobretudo, no linguajar?

O menino quieto e tímido, cara de rico, pediu um pão de sal para acompanhar a carne. Faminto, como sempre se comporta nas saídas noturnas, queria comer um sanduíche e, na falta dele, iria improvisar. O jovem mais engraçadinho, espirituoso, desbocado, disse ao garçom: ele quer pão de sal, mas traga o pão francês para que não haja confusão. O rapaz de Porto Alegre, sentado ao lado, em conversa com outras pessoas, certamente ouvindo o debate alheio, fez piada. “Lá na minha terra é cacetinho”. E ainda acrescentou: “como cacetinho se tornou uma palavra de domínio público no país, dizem que o Pão de Açúcar passará a se chamar Cacetinho de Açúcar”. O garçom riu sem mostrar os dentes. Os amigos foram simpáticos com o intrometido da outra turma. Em seguida, foi ignorado.

O sotaque do Piauí, aberto, cantado e alto, dominou o resto das frases ditas sobre os vários nomes que batizam a massa de farinha de trigo mais consumida nas terras tupiniquins. Sem perder o tom e o ritmo do colóquio, o moço explicou a diferença. “Em Teresina, na padaria, pão de sal é massa grossa. Pão doce é massa fina. Vocês dizem biscoito de polvilho. Lá é bolo frito. E polvilho, para nós, é goma”. Na barulheira do boteco, ouviu-se um “nossa que confusão linguística”. Logo depois, ninguém sabe quem soltou a pérola. No entanto, todos deram gargalhadas quando a frase “mas uma confusão linguística é uma delícia”, mudou o rumo da prosa. O que se passava nas cabeças cheias de hormônios, nunca saberemos.

Pediram o pão, todavia ainda não acertaram qual seria o tipo da carne que acompanharia as batatas. O filé que, apesar de estar em todos os cardápios, possui temperos característicos por aí, também deu o que falar nos sotaques do bar. Há filé mignon, carne de sol, carne seca, charque. O que mudará será o sal, pois a origem parece ser a mesma – do boi ou da vaca, só para não criar dúvidas. Mas o paladar... Seria uma outro conflito linguístico? Melhor apressar o pedido para a língua não ficar parada, não é mesmo? E assim todos se entendem.   

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