Conversas de bar são, além de divertidas,
instrutivas. Aprende-se sobre o mundo quando pessoas de diferentes sintonias
dividirão a conta no final. Mesmo com pensamentos contrários ou vivências
culturais distintas, numa mesa com cerveja, drink, refrigerante, após o
primeiro gole, parece que tudo se torna igual. Fritas com filé será a porção
comunitária, no prato em que todos distribuem seus palitos. Quer melhor
expressão da igualdade?
Em um bate-papo sem pretensões filosóficas nem
políticas, proibido era falar de religião, futebol, impeachment, mas o assunto
foi também essencialmente profundo: as diferenças linguísticas encontradas no
Brasil para definir coisas simples. Um bom-despachense, um piauiense, dois
belo-horizontinos, um gaúcho que se intrometeu ao ouvir a discussão. Os três
mineiros, que poderiam se entender na mesma língua, porém com vocabulário
amplo, terminavam as frases com uai, duvidando das colocações dos companheiros
de “idioma”. Seria por causa da proteção da Serra do Curral que os nascidos em
Belo Horizonte não entendiam o dialeto vindo de Bom Despacho, uma cidade tão
próxima à capital de Minas, contudo distante, sobretudo, no linguajar?
O menino quieto e tímido, cara de rico, pediu um
pão de sal para acompanhar a carne. Faminto, como sempre se comporta nas saídas
noturnas, queria comer um sanduíche e, na falta dele, iria improvisar. O jovem
mais engraçadinho, espirituoso, desbocado, disse ao garçom: ele quer pão de
sal, mas traga o pão francês para que não haja confusão. O rapaz de Porto Alegre,
sentado ao lado, em conversa com outras pessoas, certamente ouvindo o debate
alheio, fez piada. “Lá na minha terra é cacetinho”. E ainda acrescentou: “como
cacetinho se tornou uma palavra de domínio público no país, dizem que o Pão de
Açúcar passará a se chamar Cacetinho de Açúcar”. O garçom riu sem mostrar os
dentes. Os amigos foram simpáticos com o intrometido da outra turma. Em
seguida, foi ignorado.
O sotaque do Piauí, aberto, cantado e alto,
dominou o resto das frases ditas sobre os vários nomes que batizam a massa de
farinha de trigo mais consumida nas terras tupiniquins. Sem perder o tom e o
ritmo do colóquio, o moço explicou a diferença. “Em Teresina, na padaria, pão
de sal é massa grossa. Pão doce é massa fina. Vocês dizem biscoito de polvilho.
Lá é bolo frito. E polvilho, para nós, é goma”. Na barulheira do boteco,
ouviu-se um “nossa que confusão linguística”. Logo depois, ninguém sabe quem
soltou a pérola. No entanto, todos deram gargalhadas quando a frase “mas uma
confusão linguística é uma delícia”, mudou o rumo da prosa. O que se passava
nas cabeças cheias de hormônios, nunca saberemos.
Pediram o pão, todavia ainda não acertaram qual
seria o tipo da carne que acompanharia as batatas. O filé que, apesar de estar
em todos os cardápios, possui temperos característicos por aí, também deu o que
falar nos sotaques do bar. Há filé mignon, carne de sol, carne seca, charque. O
que mudará será o sal, pois a origem parece ser a mesma – do boi ou da vaca, só
para não criar dúvidas. Mas o paladar... Seria uma outro conflito linguístico?
Melhor apressar o pedido para a língua não ficar parada, não é mesmo? E assim
todos se entendem.
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