A viagem no ônibus da Santa Maria pelo trecho Belo Horizonte-Bom Despacho tinha tudo para ser tranquila num sábado à noite, como tradicionalmente ocorre há anos. Afinal, quem já fez o trajeto sabe que naquele horário o coletivo percorreria os 140 quilômetros que ligam a Cidade Sorriso à capital em pouco mais de duas horas. Nem o embarque/desembarque em Pará de Minas e em Nova Serrana atrasariam a chegada dos passageiros no destino final da linha. Porém, no fim de semana do segundo turno da eleição presidencial, aquela rota ficou marcada na vida dos viajantes por causa de um assalto surpreendente que aconteceu dentro do veículo.
Alguns cochilavam em suas poltronas, uns observavam o restinho do crepúsculo pelas janelas, outros conversavam sobre as preferências políticas. Numa das primeiras cadeiras, estava um jovem animado para visitar o irmão na Terra do Frango. Iriam matar a saudade e colocar os assuntos familiares em dia. Lá atrás, no assento do corredor, uma estudante de pós-graduação dormia, com os pensamentos voltados para o tema da aula teórica que tivera antes de embarcar de volta à sua casa. Após o Milhão, onde tem mingau de milho verde e pão de queijo com linguiça como objetivos gastronômicos de quem viaja pela BR 262, dois indivíduos na estrada balançaram os braços em sinal de parada. Antes mesmo de o motorista dar a partida, de armas em punho, eles anunciaram o roubo. A partir dali, a história desses personagens se cruzaria.
Audacioso, o rapaz do banco da frente se negou a levantar e a andar rumo ao banheiro diante da ordem do bandido. Sem pestanejar, este desferiu um tiro no joelho do sujeito. Durante a perda de sangue da vítima, o qual escorria como enchente no piso do ônibus, o vagabundo enchia a sacola de carteiras, relógios, celulares, joias. O medo era o menor sentimento de quem estava acuado por aquela situação. Com a fuga dos criminosos, o pânico dominou o coração de todos, até da enfermeira que queria somente descansar o corpo após horas de estudos, mas precisava colocar em prática o que havia aprendido horas antes. Seu curso a estava capacitando para lidar com traumas e urgências hospitalares. Mesmo tensa, prestou os primeiros socorros ao baleado; com a força das mãos, rasgou a calça jeans dele, fez um torniquete para estancar o sangramento, usando a camisa do homem; pediu ajuda para alguém que não teve o celular levado, indicando que os bombeiros deveriam ser chamados ao mesmo tempo em que a polícia seria acionada. Mudou a biografia daquele que estava à beira da morte.
Nora Ney, minha prima, é uma guerreira. Um orgulho para minha família e, agora, para a família do anônimo que ela ajudou - ele está vivo. A enfermeira, que lida diariamente com a saúde, com as questões tênues da vida e da morte, é uma cidadã bom-despachense digna de figurar na lista dos heróis de verdade. Não usa capa, não precisa de máscara nem de uniforme colorido para esconder a identidade, nem possui superpoderes sobrenaturais. Ela tem é raça de gente do bem. Teve seu dia de Mulher Maravilha. É uma heroína que se colocou à mercê dos recursos médicos, mesmo sendo também uma vítima da criminalidade, para salvar um ser humano que sofria uma hemorragia fatal. Naquele sábado, dormiu serena, com a certeza de ter tirado 10 na prova.
Parabéns, Juliano!
ResponderExcluirA força e a sensibilidade do cronista em comunhão com a presença dos heróis anônimos que encontramos nos caminhos pelos quais trilhamos.
Exemplo de força, coragem e amor ao próximo.