O colecionador
de carros antigos recebeu um pedido inegável de uma amiga que iria se casar por
aqueles tempos. Era maio, data concorrida pelos casais apaixonados em busca do
sonhado enlace matrimonial, e estava tudo marcado, mas faltava um detalhe
primordial para o esperado dia. A noiva gostaria de ser levada para a igreja em
um dos automóveis da coleção do amigo. A jovem queria glamour, chegar diante
dos convidados com pompa de rainha, reviver momentos vistos em filmes, realizar
a vontade de ter sua própria carruagem. Quanto mais luxuoso e antigo, mais
radiante ela desembarcaria do veículo. Não se importava com a cor, porém
sugeria que o carro fosse daqueles usados em novelas de época, que deveria
combinar com o estilo do vestido, um modelo vintage
dos anos pós-guerra.
Conforme
combinado, relógio marcado sem atraso, um Chevrolet Bel Air 1955 estacionava em
frente ao salão que preparava a noiva desde as primeiras horas da sexta-feira.
Maquilagem clássica, penteado com tiara de flores miúdas, o cabelo mais loiro
do que o natural, unhas postiças. A fulana ganhou massagem tailandesa,
esfoliação da pele, cremes por todo o corpo, descansou na banheira de ofurô,
brindou algumas taças de espumante de qualidade. Ansiava em colocar a aliança
no dedo e partir para a lua de mel. Ao ver o carro, quis chorar emocionada, mas
aguentou para que a lágrima não estragasse o trabalho da maquiadora, que ganhou
uns cinco salários naquela ocasião.
A
noiva estava deslumbrante, observava o amigo que se transformara em chofer.
Vestido longo levemente afunilado, de renda, com uma armação em arame para
aumentar os contornos do quadril. Ela era a personificação de uma princesa da
Disney. Estava linda. Com ares pueris, virginais, angelicais, muito delicada.
Ele notou as sobrancelhas, tinha tara nelas. Descrevia a personalidade da
mulher por meio daqueles pelos e de acordo com o modo como eles cresciam.
Apaixonou-se pela visão e se conteve em silêncio, pecando em pensamentos.
Voltou
a conversar somente no trajeto até a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, após
ouvir a pergunta da curiosa amiga, que quis saber a história de sua
“carruagem”. Gostou da dúvida e usou o verbo para dar uma aula de conhecimento,
já que seu principal hobby era estudar e comprar carros antigos. O Chevrolet Bel
Air 1955 foi o primeiro veículo a se tornar desejo de consumo entre os jovens
dos anos 1950, por causa de seu design Rock
and Roll, sendo um automóvel elegante e esportivo. É confortável e
espaçoso, por isso é perfeito para acomodar o vestido das noivas. A jovem
estava se sentindo mais do que especial naquele momento. Por onde passavam, os
ouvidos das ruas paravam para prestar atenção ao ronco do motor. Ela era
transportada em grande estilo.
Contudo, o
inesperado. A cidade ficou cheia de buzinas. O trânsito, que fluía, não ajudava
mais. Lentidão no caminho. Era intenso, quando a noiva se deu conta que não
havia ido à toalete ao longo do dia. Desesperada, exclamou que precisava dar
uma mijada. Pediu para que o motorista parasse em qualquer lugar. Estava
nervosa. Ele negou. Estavam atrasados. Ela prometeu que faria xixi dentro do
carro, que não aguentava segurar mais. O chofer imaginou o estrago que seria
seu valioso objeto de coleção ficar manchado com a agonia da noiva. Estacionou
na calçada, no entanto, nenhum banheiro à vista. Por causa da estrutura da
roupa, a jovem não conseguia agachar. Ela pediu ajuda, ordenando que o
motorista tirasse sua calcinha, por debaixo do vestido. Em pé, ficou aliviada.
Com a lingerie branca, o rapaz teve que enxugar a noiva, limpar os respingos
nos sapatos, nas pernas.
No altar, a
noiva estava séria, impoluta, sorridente para os fotógrafos. Fazia afagos no
futuro marido. Nada a distraía nem a preocupava. Realizava um sonho. No fundo
da igreja, o motorista se sentia em pecado, pois conhecia sem querer a
intimidade da noiva. E, sem graça, diante da vigilância de Deus, especulava:
cadê o glamour de uma donzela que se
casou sem a calcinha?
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