terça-feira, 7 de junho de 2011

UM ENSAIO PESSOAL INSPIRADO: CEGUEIRA BRANCA, DOENÇA CONTEMPORÂNEA

"Ensaio sobre a cegueira é um drama com imagens soberbas e alucinatórias de colapso urbano. Tem uma linha de horror em seu centro, mas se torna mais leve pelo humor e gentileza", afirma o crítico Peter Bradshaw.

Cena do filme Ensaio sobre a Cegueira

É intenso do início ao fim. Tão forte que chega a dar náuseas e provocar a Ira diante da crueldade humana. Leitura difícil por causa do português de Portugal e do estilo peculiar do Nobel José Saramago. Ler Ensaio sobre a Cegueira, mais do que aprendizado e reflexão, é um exercício de querer mudar o mundo já.

O livro estava escondido na prateleira há uns 10 anos. Levado para o banheiro, o primeiro parágrafo não servia de estímulo. Já é angustiante. Penso que os livros devem ser lidos quando as pessoas estiverem preparadas mental e fisicamente para eles. Dá pena ver universitários de 17 anos, obrigados a lerem clássicos como Machado de Assis, Clarice Lispector, José de Alencar, dentre tantos outros mestres das palavras. Não há maturidade emocional nem vocabulário para entender o conteúdo complexo destes autores. Ler Saramago foi desafiador. Sacrifício que gerou perdas musculares, do cérebro e do corpo. Mas, era preciso...O momento pedia, já que o filme homônimo também estava à espera. Dois anos na estante. E eu doido para ver. Por princípio, não vejo um filme sem ler o livro.

Foram 2 meses, um capítulo por dia, um enjoo constante, garganta presa. O que este romance quer? O que este autor precisa nos dizer com descrições tão escatológicas? Uma cidade cega e desconhecida, um povo cego, pessoas sem nome, tudo obscuro pela claridade, pela doença branca. Tudo estava ali na frente dos personagens, mas eles não eram capazes de enxergar. E nós, leitores, vamos ficando a cada linha mais vivos, com outra visão da realidade. O que eles aprendem na dor, nós devemos executar por meio da leitura. Na cegueira de mim, do que sou, do que acredito ser o que enxergo, devo ver no outro, o que ele enxerga. E caminhar juntos.

Saramago é cruel. A única mulher capaz de enxergar na história sofre porque é normal. A cruz dela é ser os olhos dos doentes. No filme é interpretada pela dramática Julianne Moore, que carrega o fardo de mostrar que em terra de cego, nem sempre o olho sinaliza que existe um rei. Porém, ela tinha uma tesoura para lutar contra um revólver. O objeto cortante ficava pendurado, na altura do olhar da mulher (aqui eu queria a palavra antônima de cega, mas não encontrei...Acredito que os homens letrados esqueceram desta. Por exemplo: surdo x ouvinte, destro x canhoto, normal x deficiente e cego x ????. Não existe, ou desconheço?). Destaca-se esta cena, por um simples motivo: está ali o clímax do romance lançado em 1995.

Cegos ou não, humanos aprendem que de nada adianta ter visão, se eles são incapazes de enxergar o que o outro vê. José Saramago, na apresentação do livro, diz: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." E ainda complementa: "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

Foi assim, secamente, que o autor ganhou o Nobel. O filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles levou as críticas. Eu, ao sair desta leitura e da sessão de cinema, fico constrangido de pertencer ao mundo egoísta dos que veem, mas não enxergam, escutam, mas não ouvem, caminham, mas não evoluem.

Leitura e filme recomendados para evoluir, principalmente, quando se lê este trecho: “A nossa vida durante o tempo que estivemos internados, descemos todos os degraus da indignidade,...agora não, agora somos todos iguais perante o mal e o bem, por favor não me perguntem o que é o bem e o que é o mal, sabíamo-lo de cada vez que tivemos de agir no tempo em que a cegueira era exceção, o certo e o errado são apenas modos diferentes de entender a nossa relação com os outros, não a que temos com nós próprios...vocês não sabem o que é ter olhos num mundo de cegos. Vocês sentem, eu sinto e vejo.”

Assim é a cegueira branca. Doença contemporânea, do século XXI.  

Comentário:
Ao escrever este texto, perguntei: alguém sabe o antônimo de cego? Respostas: Zoiudo, bisbilhoteiro – aquele que vê até demais, ou visual. A mais pertinente foi vidente. Sim: aquele que vê é vidente. Mesmo que na nossa cultura, esta bela palavra tenha outro significado. 

Mais um pouco:
Para comprar mais barato: Americanas e Submarino


3 comentários:

  1. A obra é indescritível, o filma fantástico. E ler comentários detalhados e com uma visão interessante não só da obra em só ou do filme, compartilha conosco ainda mais emoção!

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  2. A obra é indescritível, o filme fantástico. E ler comentários detalhados e com uma visão interessante não só da obra ou só do filme, certamente compartilha conosco ainda mais emoção!

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  3. Obrigado pelas palavras ilustre Guin.

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