segunda-feira, 24 de novembro de 2014

ONDE ESTÃO OS CAÇADORES INFANTIS?


Passeando pelas ruas do bairro Jardim América, notei como o progresso econômico mudou o cenário da região que, antigamente, era chamada de brejo, por causa do terreno alagado nas imediações do Córrego dos Machados. Infelizmente, a pouca água que corre bravamente cortando Bom Despacho transformou-se num imenso esgoto. Porém, não são as mazelas do desenvolvimento da cidade que vou destacar nesta crônica, apesar de que o avanço do cimento na natureza “matou” alguns caçadores da nossa terra, os personagens desta história que vou contar. 
Nas brincadeiras infantis, era corriqueiro chegar da aula após o pôr do sol, sair de casa e adentrar a noite para uma caça insólita. Crianças vizinhas não tinham medo da escuridão nem dos perigos oferecidos, aparentemente, pelos animais do crepúsculo, comuns numa área habitada por cobras, corujas e morcegos. A molecada, de espírito aventureiro, queria reviver o que os antepassados faziam para sobreviver: caçar. Contudo, nesse caso, encontrar os bichos noturnos era apenas diversão, numa época em que usar a fantasia de caçador era mais divertido que entrar no mundo virtual dos famosos astros dos videogames. 
Um dos alvos prediletos, as cigarras, deixavam de cantar nas árvores para habitar caixas de sapatos, com furos na tampa e nas laterais, e uns galhos secos, simulando uma pequena floresta. Para passear, suas patas eram amarradas com linha de costura, o que deixava as asas livres para o encantamento do dono do inusitado bichinho de estimação. Prenúncio de chuva, como acreditavam as crenças dos antigos, o canto da cigarra, entoado somente pelos machos prontos para o acasalamento, era o charme e o atrativo daquela inocente caçada. Verdade ou coincidência, logo as águas caíam dos céus, afinal o inseto procria em locais quentes e úmidos, na véspera do verão, quando costuma chover. Entretanto, a previsão certeira é com a presença das siriricas. Se elas aparecerem, tem chuva. E esse é o sinal de que poderia surgir outra presa para a perseguição dos garotos.  
Alimento de anfíbios, os siriris, aleluias ou mosquitinhos de chuva, popularmente batizados de siriricas na Cidade Sorriso, indicavam também que, aquele pasto alagado era local para achar gias, uma espécie de rã comestível, deliciosa ao paladar de quem tem coragem de comer um parente dos sapos. Embalados pela cantoria daquelas que conseguiam se salvar das armadilhas, aconteceram muitos guisados entre os amigos caçadores. Esses destemidos meninos nem se preocupavam com o ciclo natural da sobrevivência. Naquele brejo também havia seres peçonhentos querendo alimento. Ainda bem que nada de ruim prejudicava o passeio na lama e a refeição feita em fogão de lenha improvisado com pedras de calçamento. 
As construções e a iluminação dos postes prejudicaram esses momentos incríveis, mas acabaram, sobretudo, com um dos insetos mais curiosos que se conhece, que são encontrados, atualmente, apenas em fazendas com mata preservada. Vislumbrar um vagalume piscando nas pastagens dava a sensação de proximidade com as estrelas. Eles estavam ali em abundância para dar uma cor especial às blusas de seus algozes, depois que os esfregassem no corpo. Com bundinha verde neon, os besouros clareavam a imaginação fértil da criançada, que não entendia que matá-los era prejudicial à natureza. Só que aquilo era bobagem diante de tantos problemas causados pelo desmatamento, pelas queimadas, pela ganância humana. Talvez ainda existam pelo mundo, pequenos caçadores apaixonados por aventuras e preocupados com os rumos da modernidade. Eles constroem as grandes histórias. Daquelas que ficam na memória. Espero que eles coloquem ordem neste progresso. 

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