domingo, 12 de outubro de 2014

AS MESMAS PRAÇAS, MAS COM FLORES E BANCOS DIFERENTES

Igreja Nossa Senhora do Rosário de Bom Despacho

Quando mudei para Belo Horizonte, procurei reconhecer os cantinhos da capital para me lembrar de várias situações que vivia em Bom Despacho. Eu queria comida caseira, amigos para visitar depois da aula, um grupo de jovens para integrar nos fins de semana, uma igreja para participar do sacramento da comunhão aos domingos. Além de tudo isso, desejava sorvete, um dos meus doces prediletos. Afinal, a sobremesa gelada da Cidade Sorriso era inigualável naquela época. Fui me adaptando, encontrando-me com situações novas. Mas sorvete bom, nada. Só estes industrializados com sabores baunilha ou chocolate, vendidos em lanchonetes fast food.

Saudosista que sou, um dia comprei um pote de dois litros no supermercado e sentei na Praça Raul Soares, no Centro de BH. Tomava sorvete, chorava de saudade, rememorava o que deixei nas minhas origens. Já se passaram dezesseis anos, desde agosto de 1998, quando coloquei a mochila nas costas e fui morar numa república, na Rua dos Carijós, com dois amigos bondespachenses, dois de Lavras e um de Unaí.

Recordei-me deste período, e da cena do menino sentado num banco, nostálgico, triste e com gula num sorvete napolitano, após escolher o tema principal desta crônica. Estive pensando nas praças da minha vida.  E vou dividir contigo um pouco dessas lembranças.

Na Inconfidência, cresci brincando no parquinho que, infelizmente, não existe mais. Na rua de cima, meu tio Zé Cardoso, casado com a tia Dona, tinha uma mercearia. Eu e meus pais morávamos na rua de baixo, numa casa de quintal grande, que era abrigo da cadela Diana, uma collie, a mesma raça da famosa Lassie, que fez sucesso no cinema desde os anos 1940. Esperou chegarmos de uma viagem, para morrer no meu colo. Um dia quase “fugi”num ônibus estacionado por ali, dando tchau e despedindo na janela: “gente estou indo para São Paulo”. Eu tinha uns quatro anos, idade em que quase cometi um crime – se não a fosse a intervenção da minha mãe, teria matado um gato no liquidificador. Mas isso é outra história.    

Se a Praça da Matriz contasse casos, ela falaria muito de mim: o primeiro beijo e namoro, o encontro com os amigos para as serenatas noturnas, o apelido de “Menino da Igreja”, as histórias e as conversas na porta da Bola de Neve, o código de assobio da turma GDM, as reuniões do Grupo de Jovens Roda Viva, o sorvete preferido (abacaxi), as gincanas escoteiras. Ir para a praça era a diversão da juventude, mesmo que fosse apenas para sentar no banco do ponto dos taxistas para jogar conversa fora. Gastei muito dinheiro na banca de revistas e jornais do Peninha, e depois da Irene. Para contar tudo, preciso de outra crônica.   

Na Pracinha do Rosário, aprendi a trabalhar na Mercearia e Bar da Esquina, de propriedade do meu pai e do Tio Zé Antônio. Depois da labuta, era praxe comer hambúrguer no Verdinho Lanches, mas os momentos mais intensos aconteciam no período das festas religiosas. Nas memórias, ainda ouço o locutor gritando no microfone: “venha comprar e comer nas barraquinhas da Nossa Senhora do Rosário. Tem caldo de mandioca, maçã do amor e quentão”. Recentemente, passei por lá e notei o abandono. Os jardins não existem mais, a grama está morta e as árvores crescem sem poda. Falta o movimento do bairro. As conversas do bar do Tonhão e do seu filho Gilberto. Aquela região fervilhava em outros tempos, principalmente, no Pamonhão, que oferecia no cardápio um gostoso mingau de milho verde.

Saudade do Santa Ângela, onde passei a maior parte do tempo, enquanto morei em Bom Despacho. A mesada ficava para pagar a conta no bar do Nem. Só comprava chocolate, figurinha, pão sovado e refrigerante. E a diversão era passar trote do orelhão, único objeto da pequena praça protegida pela padroeira das viúvas e da morte de crianças prematuras. Local das amizades duradouras. Dos passatempos infantis. Dos instantes que sempre estarão relatados naquilo que escrevo, porque minhas raízes estão fincadas na principal rua do bairro, a Washington Luís. Causos para outras prosas. 

2 comentários:

  1. Amei, Ju.
    Fantástica!
    Crônicas são minhas leituras preferidas.
    Pena que ainda não me arrisquei a escrever uma.

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  2. Enquanto você narrava os fatos, me via me longe, sentado em um barranco, vendo os fatos acontecerem... De uma forma ou de outra me via inserido na sua história. É impressionante como você tem o dom de resgatar aquilo que estava esquecido dentro de "nós"... Parabéns, abraço forte!

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