Igreja Nossa Senhora do Rosário de Bom Despacho
Quando mudei para Belo Horizonte,
procurei reconhecer os cantinhos da capital para me lembrar de várias situações
que vivia em Bom Despacho. Eu queria comida caseira, amigos para visitar depois
da aula, um grupo de jovens para integrar nos fins de semana, uma igreja para
participar do sacramento da comunhão aos domingos. Além de tudo isso, desejava
sorvete, um dos meus doces prediletos. Afinal, a sobremesa gelada da Cidade
Sorriso era inigualável naquela época. Fui me adaptando, encontrando-me com
situações novas. Mas sorvete bom, nada. Só estes industrializados com sabores
baunilha ou chocolate, vendidos em lanchonetes fast food.
Saudosista que sou, um dia
comprei um pote de dois litros no supermercado e sentei na Praça Raul Soares,
no Centro de BH. Tomava sorvete, chorava de saudade, rememorava o que deixei
nas minhas origens. Já se passaram dezesseis anos, desde agosto de 1998, quando
coloquei a mochila nas costas e fui morar numa república, na Rua dos Carijós,
com dois amigos bondespachenses, dois de Lavras e um de Unaí.
Recordei-me deste período, e da
cena do menino sentado num banco, nostálgico, triste e com gula num sorvete
napolitano, após escolher o tema principal desta crônica. Estive pensando nas
praças da minha vida. E vou dividir
contigo um pouco dessas lembranças.
Na Inconfidência, cresci
brincando no parquinho que, infelizmente, não existe mais. Na rua de cima, meu
tio Zé Cardoso, casado com a tia Dona, tinha uma mercearia. Eu e meus pais
morávamos na rua de baixo, numa casa de quintal grande, que era abrigo da
cadela Diana, uma collie, a mesma raça da famosa Lassie, que fez sucesso no
cinema desde os anos 1940. Esperou chegarmos de uma viagem, para morrer no meu
colo. Um dia quase “fugi”num ônibus estacionado por ali, dando tchau e
despedindo na janela: “gente estou indo para São Paulo”. Eu tinha uns quatro
anos, idade em que quase cometi um crime – se não a fosse a intervenção da
minha mãe, teria matado um gato no liquidificador. Mas isso é outra história.
Se a Praça da Matriz contasse
casos, ela falaria muito de mim: o primeiro beijo e namoro, o encontro com os
amigos para as serenatas noturnas, o apelido de “Menino da Igreja”, as
histórias e as conversas na porta da Bola de Neve, o código de assobio da turma
GDM, as reuniões do Grupo de Jovens Roda Viva, o sorvete preferido (abacaxi), as
gincanas escoteiras. Ir para a praça era a diversão da juventude, mesmo que
fosse apenas para sentar no banco do ponto dos taxistas para jogar conversa
fora. Gastei muito dinheiro na banca de revistas e jornais do Peninha, e depois
da Irene. Para contar tudo, preciso de outra crônica.
Na Pracinha do Rosário, aprendi a
trabalhar na Mercearia e Bar da Esquina, de propriedade do meu pai e do Tio Zé
Antônio. Depois da labuta, era praxe comer hambúrguer no Verdinho Lanches, mas
os momentos mais intensos aconteciam no período das festas religiosas. Nas
memórias, ainda ouço o locutor gritando no microfone: “venha comprar e comer
nas barraquinhas da Nossa Senhora do Rosário. Tem caldo de mandioca, maçã do
amor e quentão”. Recentemente, passei por lá e notei o abandono. Os jardins não
existem mais, a grama está morta e as árvores crescem sem poda. Falta o
movimento do bairro. As conversas do bar do Tonhão e do seu filho Gilberto.
Aquela região fervilhava em outros tempos, principalmente, no Pamonhão, que
oferecia no cardápio um gostoso mingau de milho verde.
Saudade do Santa Ângela, onde passei
a maior parte do tempo, enquanto morei em Bom Despacho. A mesada ficava para
pagar a conta no bar do Nem. Só comprava chocolate, figurinha, pão sovado e
refrigerante. E a diversão era passar trote do orelhão, único objeto da pequena
praça protegida pela padroeira das viúvas e da morte de crianças prematuras. Local
das amizades duradouras. Dos passatempos infantis. Dos instantes que sempre
estarão relatados naquilo que escrevo, porque minhas raízes estão fincadas na
principal rua do bairro, a Washington Luís. Causos para outras prosas.
Amei, Ju.
ResponderExcluirFantástica!
Crônicas são minhas leituras preferidas.
Pena que ainda não me arrisquei a escrever uma.
Enquanto você narrava os fatos, me via me longe, sentado em um barranco, vendo os fatos acontecerem... De uma forma ou de outra me via inserido na sua história. É impressionante como você tem o dom de resgatar aquilo que estava esquecido dentro de "nós"... Parabéns, abraço forte!
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