Quem nasce no interior passa por experiências, desde a infância, que ficarão marcadas na memória por um longo tempo. Talvez nem serão esquecidas nem precisarão ficar no espaço das lembranças do passado, pois são privilégios que podem ser vividos a qualquer momento, mesmo nesta época em que as brincadeiras são mais comuns nas plataformas digitais. Antigamente, já se caçavam Pokémons nas ruas, nos sítios, na vizinhança. Os monstrinhos se chamavam rãs, vagalumes, cigarras, passarinhos. A molecada se divertia muito com o tal de cachorro caçar veado. Até com a escassez dos insetos e com a atuação da Sociedade Protetora dos Animais ainda é possível encontrar maneiras politicamente corretas para brincar sem prejudicar a natureza.
Enquanto
na capital as máquinas moedoras de cana estão cada vez mais sumidas do comércio
dedicado à combinação de garapa e pastel frito, é difícil não se recordar do
sabor do suco retirado diretamente do canavial. Chupar cana, uma arrancada pelo
pé e consumida em seguida, sentar na calçada, ao lado da mãe que a descasca e
conta casos e assobia, é uma história guardada na ponta da língua. Só de
lembrar, sente-se água acumular na boca. Assim como o prazer de escolher as
maiores jabuticabas, aquelas agarradas com força no tronco, as mais saborosas,
levá-las calmamente à degustação. Engolir a casca para proteger o intestino e
sentir um amarguinho no final. Instantes inesquecíveis.
Ainda
falando de momentos que a fazenda oferece, dá para recordar do cheiro da
mexerica impregnado na mão. A suculência da fruta é diferente das que aparecem
no sacolão. Bem como a textura da galinha cozida no fogão à lenha, com panela
de ferro, daquelas antigas e pesadas. E o biscoito frito de polvilho, com
açúcar e canela por cima, acompanhado de café moído na hora? Como diria a avó
saudosista “eta tempo bom”. Mas nem faz tanto tempo assim, porque nas visitas
às tias nunca faltarão a combinação da quitanda com a bebida mais amada em
Minas.
Há
uma aventura que pode provocar repugnância, mas é uma ocasião marcante poder
chupar manga verde com sal, às escondidas, durante um velório. Não estranhe,
pois, a explicação é simples: no cemitério há mangueiras que dão as frutas
perfeitas. Afinal, estão sempre adubadas, com o perdão do humor negro. Infelizmente,
só é possível fazer a colheita quando os portões estão abertos, no dia em que
um ente será enterrado. Entre lágrimas e saudades, a gostosura da travessura. A
tradição manda “beber o defunto”, contudo há parentes que preferem curtir o
luto bem alimentados.
Dançar
na chuva em um janeiro de verão quente, churrasco com amigos num sábado de sol,
sanduíche com bacon e milho, namorar com paixão, fazer e desfazer mala de
viagem, ler um livro com final surpreendente. Arroz-doce ou arroz com cenoura
ralada. Praia, cerveja gelada, picolé e camarão. Sorvete com banana ou a sobremesa
de chocolate com calda de morango, desde que haja morangos verdadeiros na
mistura. Fazer mingau de milho verde no tacho de cobre, após andar uma manhã
inteira no milharal e escolher as espigas mais vigorosas. Ofertar a mão ao
voluntariado. Aprender como se domina uma bicicleta. Sentir o cheiro de
plástico que envolve os presentes na data do aniversário. Se isso tudo for no
mesmo dia ou em dias em que algo da lista possa animar uma festa ou espantar
uma tristeza.
Em Bom Despacho,
há uma expressão típica para classificar o que significam essas alegrias: isso
tudo é “bão com borra”. Nunca ouviu essa? Em breve, uma outra reflexão sobre
essa frase peculiar da cidade.
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