segunda-feira, 12 de setembro de 2016

BÃO COM BORRA


Quem nasce no interior passa por experiências, desde a infância, que ficarão marcadas na memória por um longo tempo. Talvez nem serão esquecidas nem precisarão ficar no espaço das lembranças do passado, pois são privilégios que podem ser vividos a qualquer momento, mesmo nesta época em que as brincadeiras são mais comuns nas plataformas digitais. Antigamente, já se caçavam Pokémons nas ruas, nos sítios, na vizinhança. Os monstrinhos se chamavam rãs, vagalumes, cigarras, passarinhos. A molecada se divertia muito com o tal de cachorro caçar veado. Até com a escassez dos insetos e com a atuação da Sociedade Protetora dos Animais ainda é possível encontrar maneiras politicamente corretas para brincar sem prejudicar a natureza.

Enquanto na capital as máquinas moedoras de cana estão cada vez mais sumidas do comércio dedicado à combinação de garapa e pastel frito, é difícil não se recordar do sabor do suco retirado diretamente do canavial. Chupar cana, uma arrancada pelo pé e consumida em seguida, sentar na calçada, ao lado da mãe que a descasca e conta casos e assobia, é uma história guardada na ponta da língua. Só de lembrar, sente-se água acumular na boca. Assim como o prazer de escolher as maiores jabuticabas, aquelas agarradas com força no tronco, as mais saborosas, levá-las calmamente à degustação. Engolir a casca para proteger o intestino e sentir um amarguinho no final. Instantes inesquecíveis.

Ainda falando de momentos que a fazenda oferece, dá para recordar do cheiro da mexerica impregnado na mão. A suculência da fruta é diferente das que aparecem no sacolão. Bem como a textura da galinha cozida no fogão à lenha, com panela de ferro, daquelas antigas e pesadas. E o biscoito frito de polvilho, com açúcar e canela por cima, acompanhado de café moído na hora? Como diria a avó saudosista “eta tempo bom”. Mas nem faz tanto tempo assim, porque nas visitas às tias nunca faltarão a combinação da quitanda com a bebida mais amada em Minas.

Há uma aventura que pode provocar repugnância, mas é uma ocasião marcante poder chupar manga verde com sal, às escondidas, durante um velório. Não estranhe, pois, a explicação é simples: no cemitério há mangueiras que dão as frutas perfeitas. Afinal, estão sempre adubadas, com o perdão do humor negro. Infelizmente, só é possível fazer a colheita quando os portões estão abertos, no dia em que um ente será enterrado. Entre lágrimas e saudades, a gostosura da travessura. A tradição manda “beber o defunto”, contudo há parentes que preferem curtir o luto bem alimentados.

Dançar na chuva em um janeiro de verão quente, churrasco com amigos num sábado de sol, sanduíche com bacon e milho, namorar com paixão, fazer e desfazer mala de viagem, ler um livro com final surpreendente. Arroz-doce ou arroz com cenoura ralada. Praia, cerveja gelada, picolé e camarão. Sorvete com banana ou a sobremesa de chocolate com calda de morango, desde que haja morangos verdadeiros na mistura. Fazer mingau de milho verde no tacho de cobre, após andar uma manhã inteira no milharal e escolher as espigas mais vigorosas. Ofertar a mão ao voluntariado. Aprender como se domina uma bicicleta. Sentir o cheiro de plástico que envolve os presentes na data do aniversário. Se isso tudo for no mesmo dia ou em dias em que algo da lista possa animar uma festa ou espantar uma tristeza.

Em Bom Despacho, há uma expressão típica para classificar o que significam essas alegrias: isso tudo é “bão com borra”. Nunca ouviu essa? Em breve, uma outra reflexão sobre essa frase peculiar da cidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin