segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O MISTÉRIO



O aniversário será amanhã. A ansiedade para chegar à maioridade durou os dezoito anos do menino, que esperou angustiado para receber o grande presente de sua vida. Não era carro, não era a independência financeira, não era o direito de sair de casa, não era viagem para a Disney, muito menos uma big festa para ser apresentado à sociedade. Naquela data, a mãe iria cumprir uma promessa feita quando ele ainda estava no útero. Em cada comemoração, a criança, o adolescente, o jovem perguntava e a mulher respondia a mesma frase: quando você fizer 18 anos eu conto. 

E Olga cumpriria o dito. Não aguentava mais esconder o segredo diante de tantas cobranças da família, dos amigos, do filho, sobretudo, dos vizinhos mexeriqueiros que desejavam a informação mais do que qualquer outra pessoa da face da Terra. Casada, separada, mãe de outras filhas do primeiro enlace, a mulher era mestra na arte de ficar calada, de entrar muda e não revelar nada do que ouvia enquanto participava da vida das patroas que a contratavam como cozinheira. Especialista em comida boa, a mulher tinha o dom dos mistérios da cozinha e os mistérios da própria vida. Sabia o ponto certo das quitandas como nenhuma outra empregada da região do Centro-oeste mineiro, mas também sabia o quanto sua revelação seria bombástica. Afinal, a gravidez do caçula só foi descoberta no dia do parto.

Gorda, bonachona, alegre, o perfil de Olga era facilmente reconhecido por quem a via. Era olhar para ela, já diziam: essa tem a mão boa para o fogão. A gás, a lenha, elétrico. Usava forno de qualquer espécie, e engordava à medida que experimentava suas invenções, salgadas e doces. Um dia passou mal, desmaiou no quintal, debaixo do sol quente, enquanto revirava os biscoitos que assavam no forno de barro. O povo acudia dizendo que era pressão alta, a diabetes, o colesterol, a falta de ginástica, o excesso de açúcar no sangue, a falta de sal, o ar seco daquele mês. Ouvia-se de tudo. Lena, a filha da patroa, levou a doméstica ao hospital. Carregada na maca, a mulher gritava de dor, sendo levada para alguma ala de urgência. A acompanhante esperou notícias por horas, ansiosa na portaria, onde ninguém possuía informação sobre o caso da cozinheira.

Na chegada da noite, apareceu uma enfermeira, com sorriso aberto, estranhamente animada naquele intenso plantão, com perguntas que soaram estranhas. Lena ouvia com olhos esbugalhados a notícia que Olga acabara de parir um filho, mas todos de sua casa desconheciam a gravidez. A pequena cidade do interior não sabia. A mulher guardou nas gorduras o segredo da barriga grávida. A enfermeira insistia na cobrança das roupas do recém-nascido. Tiveram que comprar um macacão às pressas. Na loja, ainda pegaram uma manta e algumas fraldas. Desnorteada com a novidade, nem se preocupou em combinar as cores. O menino misterioso foi para casa como um arco-íris.

O jovem relembrou a história, rolaram algumas lágrimas de felicidade. Nem se importava com as chacotas, pois aprendeu que a mãe era assim mesmo. Divertia-se com as confusões inocentes que ela aprontava. Ele também era do mesmo jeito, puxou as características da mulher que o colocou no mundo. Aprendeu com o tempo a ser reservado, quieto, porém astuto para conseguir o que deseja. Soube esperar a passagem das estações para alcançar seu objetivo. Amanhã, na partilha do bolo, iria fechar os olhos pela última vez, apagar as velas e fazer o pedido: quero saber quem é meu pai. Olga prometeu e sempre repetia: essa história é um capítulo que só será revelado quando você fizer 18 anos. Amanhã será o dia. 

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