terça-feira, 19 de julho de 2016

ERA UM SUFOCO, MAS CABIA!


Ah, se eles falassem! Quantas histórias seriam narradas, segredos saíram das bocas transformadas em túmulos, aventuras virariam páginas extensas de livros. Pena que os fuscas não dialogam no café da tarde, mas se resolvessem colocar as nossas vidas na mesa sobraria gente gritando truco, em sinal de desaprovação e duvidando que tais fatos ocorreram. Alívio para alguns que aprontaram no pequeno carro, nostalgia para aqueles que guardam lembranças em que o fusquinha também foi personagem.

Antigamente, não havia o rigor da Lei de Trânsito. Logo, sardinha não tinha inveja do amontoado de vários passageiros que se espremiam em todos os cantos do veículo que foi projetado para caber somente cinco, sendo que três sofriam com o aperto de pernas, ombros, sacolas, tudo encaixado no banco de trás. No entanto, fusca era coração de mãe. Havia colo para todos que se arriscavam na carona, seja para uma noitada de serenatas, seja para passar o domingo comendo galinha caipira em algum sítio. A turma se ajeitava num carro só e ninguém ficava de fora da festa.

Lugar de criança era no chiqueirinho, em cima do motor, o espaço mais apertado, mas o que provoca inúmeras memórias. Os primos da mesma idade brincavam enquanto a viagem seguia seu curso rumo às beiradas do rio que abastecia a cidade, que servia de lazer para quem não tinha cota em clubes de piscinas. O calor intenso, o empurra-empurra, o choro das brigas, o cheiro forte de paçoca de carne batida no pilão, eram compensados quando chegava a hora do banho de cachoeira. Voltar para casa era outra “munha”, como dizem os mineiros quando se referem a confusão. Menino molhado, outro com sono, um mais animado – todos deviam ser acomodados no pequeno bagageiro.

Atire a primeira pedra quem nunca teve que ajudar um fusca a “pegar no tranco”, empurrando-o ladeira abaixo, sentindo-se envergonhado, mesmo sabendo que a atitude era uma boa ação com o dono do automóvel. Raro era quando isso não acontecia, pois parece que o motor do bichinho foi feito para funcionar no impulso dos braços. A solidariedade era mais intensa do que o constrangimento por causa dos olhares da torcida contrária que ficava analisando as habilidades do motorista. Quantas vezes ficamos na estrada de terra esperando resgate?

Se a Volkswagen não deu voz à sua criação, quem sou eu para contar tudo que já vivi nas ladeiras abaixo, dentro ou fora dos fuscas que conheci. Não posso revelar nomes, por causa dos direitos autorais que não foram autorizados pelos protagonistas dos casos. Entretanto, não custa liberar algumas linhas para abrandar o suspiro dos curiosos.

Contaram-me que um fusca amarelo, ainda na ativa, já teve mais de trinta chaves. A adolescente que sabia dirigir também aprendeu a enganar os pais, proprietários do veículo. Enquanto eles trabalhavam, ela passeava com os amigos utilizando as cópias feitas por um chaveiro camarada. Pega em flagrante, devolvia uma chave, mas havia outras guardadas secretamente.

Fiquei sabendo ainda que, certa vez, nas proximidades das Olimpíadas, um fusca bege voou uns três metros de altura de uma varanda até o quintal, porque a motorista engatou a primeira ao invés da marcha ré. Disseram que ela estava treinando salto a distância para participar dos jogos em busca de uma medalha. Nada de grave se sucedeu, afinal carro e saltadora são duras na queda.

E os namoros debaixo da goiabeira, que o poste sem lâmpada ajudava a dar sombra bem escura? As visitas noturnas ao mirante? A fugidinha no horário do almoço para as bandas afastadas da cidade? Histórias em que o desfecho aparece em nove meses...

Ainda bem que fusca só conversa com o mecânico.

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