quarta-feira, 4 de maio de 2016

ÓCIO


Os pés descansam na rede. O olhar vazio, perdido no balançar do tempo, descobriu uma lagartixa escondida no meio das folhagens. Imóvel, silenciosa, predadora de uma vítima que não aparecia. O pensador entrou no jogo da espera, imaginando o que viria a seguir. O silêncio sumiu com um miado estridente no quintal. Acordou do transe da brincadeira de vigiar o réptil urbano. O bicho não se assustou e continuou estático. A calmaria retornou na casa.

A cena instigante poderia causar repulsa, mas não havia nojo naquela troca de olhares. A lagartixa estava à caça naquela tarde. Uma hora se passou e nada de surgir o alimento. Somente piscadelas de ambos os lados. Cada um espreitando a atitude do outro. Duas horas. Movimentos leves, quase imperceptíveis. O rabo se curvou.

Nada. Não acontecia nada naquele cenário. Precisava sacudir a poeira que já se acumulava no corpo, porém a curiosidade era maior, como a espera do grand finale de um filme de ação. Preocupado, pensou que aquela saga da natureza poderia durar o mesmo que o longevo E o Vento Levou. Para quem já fica impaciente com os somente 15 segundos permitidos por alguns aplicativos de redes sociais, a expectativa era de esperança pelo desfecho daquela história.

Cento e oitenta minutos contabilizavam no relógio de parede. O único barulho vinha do ponteiro insistente que marcava os segundos daquela louca obsessão. Que pena da lagartixa! Numa era excessiva de Aedes Aegypti, nenhum mosquito deu o ar da graça nas bandas da arapuca. O cérebro persistente naquela novela achou estranho o mundo animal. Por que o réptil não usava sua agilidade para traçar outra estratégia e procurava um esconderijo onde pudesse atacar alguma vítima mais distraída?

Sonolento, não aguentou a força das pálpebras pesadas. O cochilo foi inevitável. Dormiu como há muito não fazia numa quinta-feira, após o almoço. Era o primeiro dia das férias. Teve o direito de procrastinar, sem culpa dos afazeres prometidos quando estivesse à toa. A saga da lagartixa foi a salvação para a carcaça cansada, que apagou no lento balançar da rede. Foi o remédio para o peso acumulado do trabalho intenso nos últimos meses. Foi preciso acompanhar pacientemente a paradeza da predadora para entender que o tempo, muitas vezes, precisa de tempo.  

Assustado, despertou de um sonho que não recordava. Mirou na direção da folha que escondia o minúsculo animal. Ainda estava lá, espreitando. De repente, com o espreguiçar dos braços do seu observador, a lagartixa saiu de um torpor. Estaria ela em estado de hibernação? Caminhou lentamente, escondeu-se entre as raízes da planta. Quatro horas. O sono da beleza, o descanso merecido. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin