Como numa
expedição de Marco Pólo, em busca de conhecimento de mundo, ou no objetivo de
colonização de novos povos, como foram as navegações de Cristóvão Colombo e
Pedro Álvares Cabral, professores da Escola Estadual Irmã Maria seguiram para
um desafio em Martinho Campos, imbuídos de uma missão antropológica e
etnográfica. A turma animada ouviu dizer que, em um povoado da terra protegida
por Nossa Senhora da Abadia, talvez em Ibitira, Buriti Grande ou Monjolinhos,
havia uma família de índios vivendo na região. Curiosos e com a expectativa de
ter mais proximidade com a cultura indígena, antes apenas vista nos livros, os
docentes viajaram de Bom Despacho até a cidade vizinha com o intuito de
realizar um sonho. E se tudo desse certo, ainda havia a possibilidade de
realizarem trabalhos escolares na sala de aula com a presença de um verdadeiro
filho dos primeiros habitantes do Brasil.
Apenas
com o endereço em mãos e a ansiedade no coração, Babá, Márcia, Dalva e Chico,
partiram com a incumbência de encontrar a oca daquela linhagem que morava em
tão pouca distância. No carro, iam conversando sobre as civilizações antigas,
os costumes perdidos, os nomes das tribos que foram dizimadas pelo “homem
branco”. Comentavam das que sobreviveram, das que batizaram cidades e ruas, e
contavam piadas protagonizadas pelo personagem. Cada um criou uma aspiração
própria quando o encontro se concretizasse: “eu quero conhecer a linguagem”,
“desejo saber como são os costumes alimentares”, “vou fotografar os instrumentos
musicais e os utensílios de cozinha e de caça”, “será que eles andam pelados na
cidade?”.
Na
década de 1990, nada de celular ou Internet, nem GPS, para se encontrar o
tesouro perdido. O jeito então era seguir as indicações de placas e as
informações do boca a boca como caçadores com um mapa indecifrável. Aquela
viagem foi uma aventura. Entre risadas, tensão, medo do desconhecido, um frio
na barriga, os professores alcançaram o destino final. Estranharam que a
indicação dos moradores do distrito apontava para aquela casa simples, com
quintal, caixa d’água, jardim na porta, telhado. No pensamento, a dúvida
coletiva: “os índios não vivem em armações de madeira cobertas por palha?”.
Gritaram no portão, batendo palmas simultâneas: “ô de casa!”. Foram recebidos
por uma jovem, humilde, de pele morena quase branca, cabelos curtos ondulados,
sem traços que lembrassem parentesco com os Tupis ou com os Guaranis, falando
num português bem mineirês, com todos os uais, os sôs e os erres carregados das
poucas palavras que exprimia com clareza.
Solícita,
convidou a turma para entrar e sentar no sofá. “É aqui que mora uma família
indígena?”, perguntou Babá, intrigada, pois havia algo errado naquele cenário.
Nada de arco e flecha, nem cocares, nem vasilhas artesanais em cima de um fogão
feito de barro. A menina contou que o irmão Jean era quem sabia de tudo. Ele
tinha contatos em Brasília, com a FUNAI, e que estava lá na capital do País
buscando recursos para a família. “Mãe, de qual tribo que a gente é mesmo?”,
chamou a suposta indiazinha. A mulher aparece na porta vestida como qualquer
dona de casa que está preparando o almoço: de lenço na cabeça, pano de prato no
ombro, avental amarrado na cintura. “Ah, minha filha, quem sabe dessas coisas é
só o Jean”, resmungou a “matriarca” da tribo.
Babá, com o
espírito de historiadora enraivecido, observando pelo rabicho dos olhos,
sinalizou a insatisfação para os colegas de escola. À menina, questionou
debochada para encerrar a entrevista e a missão mal-sucedida: “desde quando o
Jean é índio, minha querida?”. O que ela logo revelou dando de desentendida:
“mãe, quando o Jean e nós viramos índios?”.
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