quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A PRIMEIRA VEZ


Gosto da provocação que me leva a refletir. Perguntas fora de lógica, em momentos inapropriados, interrogações instigantes para que eu possa me expressar além da obviedade comum a todo ser humano. As dúvidas daqueles que desejam conhecer meus pensamentos são estimulantes. Por outro lado, como profissional das indagações, prefiro ser surpreendido com a resposta a obter informações vazias quando tenho de fazer alguma entrevista. Curioso por natureza, questiono aquilo que desconheço, leio nas entrelinhas, ouço o que não foi revelado, e assim fico agindo como um policial investigador. Modestamente, tenho o dom de inquirir o entrevistado para que ele apresente suas verdades, suas opiniões. Por isso, o ofício do jornalismo. 

Apesar disso, incomoda-me aquelas entrevistas chamadas de “rapidinhas”: um lugar?, sorvete ou macarrão?, felicidade é?, uma comida?, amor ou sexo?, um sonho?. Mudo de canal, pois eu gostaria de conhecer o entrevistado por algo que nunca foi questionado. Ouvi-lo falar daquilo que se conversa na mesa de bar, dos assuntos proibidos – religião, sexo e política. Rapidinhas mais secretas, detalhes mais subjetivos, polêmicas e contradições da sua história pessoal. E é na reciprocidade que lido com isso, pois da mesma maneira que faço perguntas diferentes, eu quero mostrar ao interlocutor aquilo que ele não espera de mim, mas que é a minha realidade, a minha essência. 

Perguntaram-me num momento de descontração: qual foi a última coisa que você fez pela primeira vez? Fiquei em silêncio para dar retorno à dúvida, acreditando que a resposta estaria na ponta da língua. O filme rodou na mente para relembrar o passado. Refiz caminhos no cérebro, os olhos procuraram passagens recentes no teto vazio, a sobrancelha ficou arqueada em dúvida, nada saía da boca, as mãos se cruzaram nervosas. Suspirei em pânico pela ausência de palavras. Respondi que no próximo encontro, eu apresentaria uma lista. E a fiz depois de recordar de uma conversa estimulante.

Há alguns anos, uma amiga nutricionista me incentivou a um desafio. Sistematicamente, eu deveria me propor a aprender algo novo, para movimentar o cérebro, para sair da caixa do comodismo, para afastar doenças que vão definhando a memória, para ser um sujeito melhor, com mais referências culturais. A partir desse propósito, coloquei metas semestrais, dizendo que eu buscaria qualquer conhecimento, sobretudo de coisas que sempre tive vontade de fazer/estudar/conhecer, mas por falta de tempo não me dedicava. Entretanto, nessa busca objetivei me dedicar também a assuntos que não me interessavam como forma de estar aberto a novidades que poderiam surgir. 

A pergunta martelava. Fui tirando dos pensamentos as lembranças para chegar à conclusão que a última coisa que fiz pela primeira vez foi iniciar estudos do idioma francês. Estou usando a Internet para tal, ouvindo cantores populares na França, lendo a história do país para descobrir um universo fantástico. Até o momento só sei falar alguns termos mais comuns, como bom dia, obrigado, homem, mulher, ela, ele, eu, gato, rico, maçã, laranja. Estou me sentindo uma criança descobrindo as possibilidades da comunicação. Agora em outro idioma. E com esse espírito infantil sigo na caminhada para sempre acrescentar algo ao meu crescimento pessoal. Questionaram-me no singular, querendo uma única resposta. Porém, tenho tantas primeiras vezes para relatar...A conversa ficará para outro encontro, outros versos, quem sabe numa primeira vez que cruzarmos nossos olhos? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin