Durante uma das minhas aulas, um aluno, muito ansioso pela
chegada do feriado mais festivo do Brasil, perguntou onde eu passaria o
carnaval neste ano. Resposta pronta e decisão tomada há alguns dias, disse que
seria em Bom Despacho. Outro estudante, fora da conversa, questionou espantado:
mas lá tem alguma coisa? Esta dúvida remexeu com a minha memória, sacudindo
meus pensamentos da infância e da adolescência, período em que a curtição da
folia era obrigatória no meu calendário de lazer.
No Clube Bom Despacho e no Salão
de Festas do Batalhão, as matinês tocavam as tradicionais marchinhas e as
músicas infantis da Xuxa, Balão Mágico, Trem da Alegria. Uma farra de
serpentinas e confetes, refresco de pozinho, pipoca, cachorro-quente. Minha
mais marcante fantasia foi de um mosqueteiro inglês com direito a chapéu,
penacho e espada.
Mas conheci a farra carnavalesca
foi nos arredores da rodoviária, onde eu tinha lugar cativo na escadaria da
Amurada da Praça da Estação, uma das mais antigas obras públicas de arquitetura
da nossa cidade. Num lugar estratégico, dava para dançar, paquerar e assistir
aos shows das bandas que animavam as noites do feriado prolongado. A minha
predileta era o MAIOMA, que tocava de tudo, dos sucessos do passado aos hits
que bombavam na Bahia. Ah! Naquele tempo, também experimentei as aventuras do
amor: as primeiras cantadas, os foras, as olhadas distantes, os beijos
secretos, os roubados, e as primeiras paixões avassaladoras. Cada música se
tornava trilha sonora para momentos apaixonados nos muros, no escurinho, no
travesseiro.
Bom Despacho é conhecida pelo
carnaval, apesar dele não constar no roteiro oficial do turismo. Sempre que
digo onde nasci, o interlocutor afirma que já ouviu falar do que rola por lá. As
famosas sedes faziam a alegria das turmas. Para quem não conhece, sede é uma
casa alugada pela turma por cinco dias, onde todos bebem, fazem churrasco,
dormem. E o mundo inteiro já imagina os doces pecados cometidos ali nos dias
que antecedem o início da quaresma. Antes de ganhar a purificação das cinzas, é
preciso experimentar os prazeres da festa da carne. Reunir os amigos, fazer
camisa, tomar cerveja durante o dia e cair no samba, no axé, no funk, no
sertanejo, na brincadeira da diversidade.
Lembro-me dos desfiles na Avenida
Doutor Miguel Gontijo, quando era permitido exibir as musas do município na
carroceria das caminhonetes, sem levar multa da PM. Acenando para os fãs, as
belas se destacavam no meio da multidão bêbada, que assobiava animada tentando
conquistar a atenção das mulheres mais charmosas e “soltinhas” da sociedade
bom-despachense.
Neste espírito, todo cidadão da
minha cidade carrega no peito o orgulho de pertencer a alguma turma de
carnaval, mesmo que muitas estejam esquecidas. Tem folião que incorporou a
denominação do grupo ao próprio nome: Fulano da Pilek, Ciclano da Valabas, Beltrano
da Sem Compromisso. Cada camisa silkada com desenhos caricatos contava uma
história de humor, de felicidade, de amizade.
Já tivemos trios elétricos,
bandas famosas, blocos de rua, até o paninho fajuto do abadá quis invadir e
colorir a cidade num tom único. Mas somos fiéis às nossas tradições. Aqui tem
carnaval, sinônimo de retorno à família, de farra, de cerveja gelada, churrasco
e, claro, muita alegria espalhada pelas ruas da cidade sorriso.
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