Estas histórias fantásticas...
Anos atrás, perdido numa livraria
em BH, passeando entre as prateleiras para esperar o tempo correr, fui atraído
por um livro de lombada preta e capa verde, com título instigante: O Grande
Livro do Folclore. Só pelo conteúdo e atiçado por minha intensa curiosidade
sobre a origem de tudo, adquiri a obra escrita pelo jornalista, folclorista e
professor, Carlos Felipe Horta, um escritor que é referência no assunto e
também um exemplo de vida que lutou contra a ditadura no Brasil. Tive a
oportunidade de conhecê-lo em outra ocasião, quando me ensinou algo
inesquecível. Perguntei por onde começar a escrita de um livro. Ele sorriu,
tirou os óculos, olhou intensamente para o meu nervosismo e disse: “pesquise a
sua história, do seu povo, dos seus antepassados, da sua cidade”.
Depois disso, recebi um e-mail
com uma apresentação engraçada falando do Forró do Zé de Anísio. Um personagem
lendário do município, que causava medo quando eu era criança e morava no
bairro Santa Ângela. Ele andava com um porrete, tinha um bigode másculo, como
se fosse um típico português, uma cara amarrada. A mensagem contava os segredos
do forró, onde só entravam senhoras e senhores da terceira idade, que não
podiam dançar de chinelos e que saboreavam a famosa farofa servida na mão,
vendida por um real cada porção. Enviei aquelas informações para o jornalista
Maurício Kubrusly, do Fantástico, para que o Zé de Anísio virasse reportagem do
quadro Me Leva Brasil. Eles gostaram da sugestão e quiseram saber se em Bom
Despacho havia mais coisas para mostrar. Começou ali o resgate de lembranças e
a chance de colocar em prática o ensinamento do professor Carlos Felipe.
De pronto respondi: “um grupo que
dança catira, um congado espetacular, um dialeto africano, um quilombola, uma
das mais belas igrejas do país, uma produção de peças de decoração com pedras,
o melhor sorvete de abacaxi. E tem até uma urna funerária indígena”, revelei. O
pessoal logo apareceu na cidade sorriso e tive a chance de entrar na casa de
shows localizada na Rua São Paulo para descobrir que o Zé, com seus 80 anos,
era um senhor divertido, contador de casos, que colecionava tudo que lhe
vendiam ou davam de presente. Lá dentro, vi uma máquina para matar cupins,
ferramentas rurais de vários modelos, uma cadeira de barbearia, que servia de
descanso para o porteiro, e também a bacia onde a farofa circulava no salão.
Nas paredes, cartazes engraçados para a boa convivência entre os forrozeiros.
Naquela ocasião, também visitei
Dona Fiota, uma das guardiãs do vocabulário da tabatinga. Em sua casa, tomei café e descobri a
importância de se preservar a memória de nossa história. Infelizmente, a
conversa foi curta, mas com grandes recordações das lições que ela dividiu
conosco, sentada no passeio, de lenço amarrado na cabeça, ao lado de seus
filhos e netos.
Por estas duas personalidades, e
tantas outras de tamanha representatividade, é que nossa cidade é incrível.
Temos muito que mostrar ao mundo, enchendo o peito para contar dos produtores
de leite, dos imigrantes do passado e seus descendentes, dos artesãos que
vendem sua criações na feira de sábado, dos doceiros e quitandeiros, dos
líderes religiosos, dos escritores e pesquisadores, dos professores nativos e
daqueles que chegaram com a faculdade, dos músicos, dos artistas, dos
empreendedores que fazem de nossa terra um local admirado e memorável. Precisamos
dividir nossas tradições e culturas, pois como afirma Carlos Felipe: “se um dia
o folclore – que é a cultura popular -, não existir mais, a alma do povo também
será extinta”.
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