domingo, 7 de abril de 2013

SÓ EXISTE EM BOM DESPACHO



 Dias atrás, estava numa pastelaria na capital mineira e ouvi um diálogo engraçado. Uma senhora, de uns 70 anos vividos, pediu ao balcão um copo de garapa. A moçada, uns cinco jovens que ali atendiam aos pedidos de pastéis de carne, queijo, frango, reagiu em coro: - aqui não vende isso dona. Ela espantada exclamou com uma doçura e paciência que só a sabedoria da idade é capaz de mostrar: - naquele cartaz está dizendo “caldo de cana e dois salgados - R$ 3,00”. É isso que eu quero. Os balconistas ainda se olharam assustados com a palavra nova que nunca ouviram, mas foram espremer a cana no moedor. Olhei rindo da situação e puxei conversa: - este povo da cidade não conhece garapa. Só gente do interior. Ela balançou a cabeça concordando e sorriu. Um sorriso que me trouxe memórias de nossa terra.

Bom Despacho é cercada de histórias, de pessoas encantadoras, de palavras desconhecidas ao dicionário, de fatos e imagens que só existem neste canto de Minas. A passagem da garapa fez com que eu voltasse à infância e lembrasse de um amigo que vendia um bom caldo de cana na Av. Dr. Miguel Gontijo. Foi ali nas beiradas do antigo Gariffe que aprendi a gostar de garapa e depois beber o suco acompanhado de pastéis, de carne preferencialmente. E o vendedor, que antes era o Zé, pai dos meus amigos, marido da Maria, amiga da minha mãe, bibliotecária da Escola Chiquinha Soares, virou um mito. Foi apelidado pelo povo: - vou lá no Zé da garapa. E a cidade sorriso ganhou um Zé Garapa especialista em pizza. Só Bondês tem.

E há sabores que só esta terra possui. Temos uma doceira que faz uma das minhas sobremesas prediletas e, talvez, há muitos outonos, que só encontro doce de raiz de mamão na casa da Valmira, uma mulher de mãos abençoadas para a culinária. O cheiro que sai pelo portão é a melhor propaganda do doce caseiro que ela faz: goiabada, leite, cocada...Chego a ficar com água na boca apenas lembrando das colheradas destas iguarias tão especiais, que ela deixa degustar, antes de você querer comprar tudo. Todos os doces são bons, porém, já saí de Belo Horizonte feito uma grávida com desejo para deliciar somente um pouquinho do doce de raiz de mamão, da Valmira, que não vende em outras cercanias. Isso é da gente.

Outros gostos foram provocados com certeza pelas águas dos rios que banham a cidade. Quando criança me lembro bem do chup chup de amendoim da dona Duca, no bairro Jardim América. Do sorvete de abacaxi da inexistente Bola de Neve – este é incomparável a qualquer sorvete do mundo, nem as marcas mais famosas conseguem fazê-lo -, local onde sentávamos após a missa das dezenove horas para narrar a vida de quem ficava dando volta na Praça. Da geleia da dona Clarinda, na Avenida das Palmeiras. Do pastel do Ananias, que era vendido na galeria onde já foi a prefeitura. Do sanduíche aberto da Padaria Silva. Sabores que passaram, no entanto, ficaram marcantes na nossa cultura gastronômica.

Gastronomia que até virou ditado popular: quem experimenta do biscoito da Mariquinha e bebe da água da Biquinha, certamente voltará a Bom Despacho. Ainda estou em busca da receita desta quitanda que não conheci, mas se refrescar na bica das lavadeiras, isso é difícil dizer quem nunca fez. Ali é palco de histórias, de mentiras, de esconderijos amorosos, de brincadeiras infantis, de passagem para os preguiçosos desanimados a subir a Rua dos Expedicionários. Realmente, não dá para esquecer das escadarias deste nosso charmoso ponto turístico.

Fiquei em algumas lembranças e ainda vou escrever sobre várias delas nesta coluna. Para encerrar esta prosa, lembro de uma palavra tão mineira, mas que apenas em nossa região ela possui a forma feminina, e que encerra algumas conversas. Para tudo temos o Sá, que é o contrário de Sô. Coisas de gente cenosa (explico que é aquela pessoa que faz graça, que é engraçada, divertida, palhaça, para o caso de você não ser de Bom Despacho e não entender). Gente que só esta cidade tem. Adjetivo de quem sabe o que é garapa, que já comeu as quitandas da Mariquinha, matou a sede na Biquinha, experimentou o doce da Valmira, o pastel do Ananias e tem saudade da Bola de Neve e da dona Clarinda, que não deixou a receita da geleia, mas ficou marcada na memória de nossa história. Momentos que só existem aqui.

Compartilhe sua lembrança comigo no email julianoazevedo@gmail.com.

8 comentários:

  1. Perfeito Jú!!! Boas lembranças...

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  2. Uma deliciosa, literalmente, viagem no tempo. Parabéns Jú!

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    1. E nesta viagem nós temos tantas histórias juntos não é mesmo, Josi!? rsrsrssr

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  3. Que delícia de leitura, Juliano!
    Coisas de Bom Despacho!...
    Fez-me lembrar de uma aluna que veio de São Paulo e ficava intrigada com nossa expressão "Não é mesmo?".
    Falamos e nem sentimos, mas é visível o "choque" entre as culturas.
    Parabéns!
    Abraço.

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    1. E tantas expressões particulares...tantos jeitos de dizer. Ser de Bom Despacho é ser único. Somos assim, não é mesmo!?

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