Charge do Clayton - Blog do Eliomar
Todo mundo se conhece na Cidade
Sorriso ou sabe de algo que aconteceu com alguém destas bandas do centro-oeste
mineiro. O João é da Maria. O Joaquim é da Tereza. A Marta é filha da Antônia,
que já foi do Calabouço e que agora é do Arraial. Nossas denominações tão
aconchegantes permitem que os quase 46 mil habitantes sejam lembrados por
apelidos, pelas famílias tradicionais, pelas escolhas profissionais, pelos
bairros, pelas turmas de carnaval. Amigos tão saudosos e animados que se reúnem
também fora de época, deixando as histórias das famosas sedes da folia
bom-despachense ficarem na memória.
Este pequeno pedaço de terra
cercado pelos rios Picão, Lambari e São Francisco deixa saudade naqueles que
tomam do nosso marcante cafezinho. Não existe sabor em outras cercanias. Talvez
seja por causa do café, ou do carnaval, quem sabe do leite, que sempre há
alguém que conhece gente de Bom Despacho. E é impressionante viajar pelo mundo
e ouvir estas lembranças que nós deixamos no coração de quem nos visita. Nas
redes sociais da Internet até existe uma comunidade que se chama “Bom Despacho
vai dominar o planeta”. Fico pensando: de onde saiu tanto conterrâneo? Minha
avó tem uma expressão que pode explicar este dilema: “se você vai a algum lugar
e não tem ninguém de Bom Despacho, tenha certeza, que ali tem pelo menos você,
que representa nossa cultura e nosso povo”. E nesta reunião de desconhecidos,
certamente, alguém terá amizade com algum morador do ex-distrito de Pitangui.
Já ouvi um causo que parece
conversa de pescador. Se é verdade, só outro causo pode solucionar o mistério.
Mas vou registrar. Vamos lá? Era uma vez...Um amigo de um amigo que estava de férias
em Londres, lá nos domínios da Rainha Elizabeth. O rapaz passeava pela capital
inglesa de metrô, tirando fotos turísticas e soltando piadas em português. Ou
seria na língua da Tabatinga? Era um tal de “uai, sá. Uai, sô!” Frase emendada
com um “ela é cenosa demais”. E a dupla ainda tirava sarro dos nativos: “tipura
o tiploque da ocaia e depois dá uma tipurada nos maveros da loirinha, disse com
jeitinho sacana. E os amigos ficaram rachando os bicos de quem ficava panguando
dentro do trem. Quando de repente escutaram um som familiar. Lá na frente,
gritaram: Ôôôôôôô Bom Despacho!!! Te conheço lá do Bairro de Fátima. A família
real da Grã-Bretanha não se manifestou sobre o domínio do nosso dialeto que já
invadiu uma das grandes potências mundiais. O certo é que chegamos lá.
Dizem que até o Papa Francisco se
manifestou durante uma missa na Praça de São Pedro, quando um fiel no meio da
multidão chamava a atenção da Vossa Santidade. Durante a cerimônia, o papa
espichava o pescoço, ajeitava os óculos para melhorar a visão, cochichava aos
coroinhas querendo saber quem era aquele sujeito alto, com uma miscigenação
alemã, africana e portuguesa. Ele sabia que conhecia aquele destacado católico
de algum lugar. Após a benção, o argentino foi abrindo caminho entre o povo até
encontrar o homem que o intrigava e perguntou: - O senhor é de Bom Despacho? O
fulano ficou assustado com tanta assertividade e gritou: - Milagre! Nosso papa
é vidente! Humildemente, o discípulo de Cristo explicou: - Milagre é o senhor
que vai precisar para consertar este corte de cabelo, porque está ruim demais.
Conheço o barbeiro que tem este estilo. E ele é lá de Bom Despacho.
Parece piada, só que não é,
apesar de ser engraçado o caso verídico em que a Cidade da Senhora do Sol foi
citada nas manchetes nacionais. Desde então ficamos mais famosos, afinal tudo
que é bom tem uma pitada de algo salgado para equilibrar o gosto. Este episódio
queimou o filme de Bondês no Programa do Ratinho, outros dizem que foi no sofá
da Hebe. O fato é triste, mas não estraga a nossa auto-estima, pois o
importante é que até a dama da televisão brasileira também mencionou de onde
somos para o Brasil. Contam que ela, ou o apresentador mais polêmico da TV,
recebeu o cantor Leonardo nos estúdios do SBT. Entre as conversas fiadas, o
goiano é questionado se algum dia tomou um calote. Sertanejo e de palavras
rasgadas mandou na bucha: - tomei, e foi lá em Bom Despacho. Eu não acredito
muito, porque por aqui a gente não toma calote. A gente é catiolado. Assim a
grande audiência dos programas repercutiu do Oiapoque ao Chuí, colocando estas
estâncias no anedotário brasileiro. Depois disso não podem dizer que nunca
ouviram falar daqui.
Esta prosa pode se estender por
páginas e páginas, porque bom-despachenses, todos são ilustres, sendo
reconhecidos pela hospitalidade, tranquilidade e pelo jeito festeiro. Somos
citados nas rodas de macumba para que os feitiços funcionem. Lembrados quando
mandamos recados pelo correio, real e virtual. E nos livros de história que
contam a vida de um ilustre governador de Minas, o Olegário Maciel, que nasceu
e foi batizado na paróquia da Matriz. Talvez não haja município das gerais que
não faça uma homenagem pra gente, e para o político, dando seus nomes para ruas
e avenidas. Esta jovem centenária é histórica, tem história, tem memória. Tem
gente. Conhece-se Bom Despacho quando se fala de seu maior patrimônio, o povo,
nós. Os outros que nos conhecem e relatam nossos contos. Temos nome e
sobrenome, somos e pertencemos aos antepassados, aos que nos cercam, ao que
fazemos, principalmente, nossos valores e amores. Isso que nos faz sermos
diferentes ao mundo, que sabiamente nos reconhece.
P.S.: para você que não domina o linguajar de Bom Despacho, explico:
Tipura: observe
Ocaia: mulher
Tiploque: calçado
Cenosa: engraçada
Mavero: seios
Panguando: vacilando
Catiolá: roubar
Rachando os bicos: rir alto
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