Há um ano, eu estava no lugar
certo, mas talvez na hora errada, passeando na Savassi, em Belo Horizonte. Uma
voadora e um soco alcançaram meu corpo, que não ficou ferido, mas a
agressividade de dois loucos atingiu minha alma. Apanhei gratuitamente de
pseudo-skinheads num dos lugares mais democráticos da capital mineira. Naquele,
dia, fui parar no hospital, na polícia, na igreja. Depois disso saí do mundo.
Do meu fantástico mundo, para viver no medo e na insegurança de andar tranquilamente
pelas ruas de qualquer cidade.
Fui forçado a amadurecer numa
madrugada, por causa da repercussão da história que estava no meu blog. Desabafei
na internet porque na escuridão do meu quarto não havia ninguém que pudesse
secar as lágrimas do meu coração. Vivi aos 32 anos de idade, a crise que não
tive nos 30. E não está sendo fácil mesmo após tanto tempo. Deixei de ser um
jovem para ler nas páginas dos jornais a frase: homem de 32 apanha na Zona Sul.
A ficha caiu: mesmo não vivendo a idade natural da minha matéria, ali entendi
que eu já não podia estar na juventude. Tive que ser um homem adulto
contrariado.
Perdi sorrisos, momentos, vivendo
enclausurado dentro da minha própria casa. A primeira vez que fui à Savassi, até
os fios de cabelos dos dedos dos pés tremeram de medo. Tive palpitação, falta
de ar, angústia, dor. Em 365 dias, só fui na região duas vezes, por motivos de obrigação
para dar um abraço em amigos aniversariantes.
O pior é a certeza da impunidade.
Já prestei depoimento na Polícia Civil, na Militar, na Guarda Municipal, no
Ministério Público, dando a mesma versão, umas doze vezes, e parece que ninguém
ouve. Eu sabia que a Justiça era cega, mas descobri que também é surda. O
processo anda lentamente. Os envolvidos continuam soltos por aí fazendo barbáries
com outros inocentes que se calam com vergonha do soco na boca, do chute na
bunda, da voadora nas costas, da pedrada na cabeça.
Às vezes, penso que devia ter me
silenciado. Escondido o sufoco de apanhar sem saber o motivo. Porém, a
solidariedade me ajudou. Até hoje recebo mensagens de carinho, de ânimo. Contudo,
fiquei com vergonha de aproveitadores da situação: queriam me usar para fazer
debates de uma causa que eu nem sabia qual era. Senti-me um mártir sem ter
morrido.
Passado um ano, o único
sentimento que tenho é medo. De olhar nos olhos, de conhecer gente e dar bom
dia, de sorrir no elevador, de oferecer a mão para uma ajuda, de estar sentado
no banco da praça lendo um livro, de pegar ônibus, metrô. Mudei. E ainda estou
em busca de uma identidade que se perdeu quando eu ouvi do meu algoz: você deve
morrer.
Escrevo hoje para ser voz de apoio aos humanos que perdem a dignidade na brutalidade de perversos merdas que vagam por aí. Contem com minha oração, pois é a fé que me reergue diariamente.
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