Recentemente, estive na Bolívia para uma temporada de descanso. Inicialmente, o plano era conhecer um novo lugar, pessoas diferentes, cultura diversificada, turismo para estrangeiro ver, pois de tão estranho, o país andino chama a atenção pelas contradições apresentadas nos guias que tive acesso antes de embarcar no famoso Trem da Morte. A preocupação maior não foi com as histórias contadas por aventureiros que passaram maus bocados neste meio de transporte com nome que aterroriza. A sensação era que o presidente Evo Morales baixasse um novo decreto e faltasse gasolina ou qualquer tipo de combustível para a série de ônibus previstos para concluir a viagem. Os jornais e a população diziam que haveria greves e que as estradas ficariam interditadas por alguns dias.
No segundo dia, aprendi que a Bolívia possuía mais do que belezas naturais para oferecer e que o medo seria passageiro. Uma atitude surpresa do povo proporcionou uma lição que deve ser exemplo para todos os brasileiros. Nunca senti e vi nada parecido em qualquer solenidade que participei no Brasil.
Apesar de ser uma das regiões mais pobres da América Latina, com muita miséria visível em qualquer lugar seja nas cidades grandes seja na zona rural e até mesmo no deserto inabitado, foi na Bolívia que entendi o que é ser cidadão. Minto, aprendi a ser Cidadão, vendo o orgulho dos bolivianos se sentindo parte da nação.
O espírito de civilidade estava marcado em cada rosto que olhava atento para o hasteamento da bandeira boliviana, em uma fria segunda-feira, às 8 horas da manhã. O acontecimento foi de arrepiar. Emoção quase indescritível. Mas explico melhor: de repente, estava tomando café, ouvi o toque de uma corneta militar. Pensei que estava começando a guerra. Os bolivianos, silenciosamente, levantaram-se; os que estavam andando pararam no meio da rua; as senhoras que cozinhavam nas barracas guardaram as colheres; e todos se voltaram em direção ao símbolo do poder que se erguia ao céu e cantaram em coro, acompanhando os policiais, o Hino Nacional Boliviano. Imóveis. Como se o mundo tivesse parado e o coração de cada um pulsava no mesmo ritmo, com o mesmo compromisso de ser cidadão. Em respeito à marca daquele povo que parece sofrido, mas digno. Percebi que eles tinham mais do que orgulho do país em que vivem mesmo diante das adversidades, da pobreza, da falta de recursos. O que, infelizmente, não ocorre no Brasil, local mais promissor que qualquer país da América.
Não era feriado, cantar o Hino não era obrigatório, não havia festividades naquela segunda-feira. A atitude era hábito e um compromisso diário de quem passava por perto do batalhão todas as manhãs. O sentimento de união estava nítido naqueles olhares. Chorei por dentro quando lembrei do Hino Nacional Brasileiro e dos tempos de criança. Na escola, ficávamos em fila, repetindo palavras sem significado. Éramos obrigados a ficar parados, olhando para o nada, esperando a diretora nos libertar daquela tortura. Não fazia sentido, porque não havia explicação. Não cantávamos por amor. Os bolivianos sim, por amor e paixão. E, atualmente, mais adulto, não sinto emoção alguma, mesmo em jogos esportivos, quando em uma única voz queremos a vitória, mas se perdemos ou ganhamos, deixamos a quadra e o campo, sem lembrar que a luta continua. Mas caminhamos sozinhos.
Observação: fiz este texto em 2006, quando cheguei da Bolívia. Ele foi publicado nos jornais O Tempo e Hoje em Dia à época, mas a lição ainda permanece nesta dia 7 de setembro.
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