Sentimento dedicado a Gaudí

Não anoto as coisas que penso. Quero que as ideias fiquem gravadas na minha mente e que ninguém tenha acesso aos meus pensamentos. Mas hoje a vontade de dizer e de registrar o que meu coração está sentindo é muito maior do que o impulso de deixar meus insights perdidos nas conexões neurais.

Acho que vou me entregar às palavras e fazer como os artistas modernistas. O que sair, é isso mesmo. Só que nem sei quem vai ler este documento. Quase um dia sem dormir. Acho que o cérebro está mais rápido que os dedos e as palavras vão divagar sem sentido. Volto a ler o que escrevo e noto que está faltando os quês. E é sobre isso mesmo que vou relatar. Sobre o quê está acontecendo comigo nos últimos dias (o circunflexo é proposital, para dar destaque, já que está errada a construção e a ortografia deste termo, mas se Guimarães Rosa criou neologismos, quem pode me impedir...). E talvez não seja fácil agir, pois é algo que não depende somente de mim.

Uma amiga que há muito tempo não via me relembrou pelo orkut algo que lhe ensinei há alguns anos. Disse-lhe que é preciso ligar constantemente o botão do foda-se. Deixei de colocar isto em prática. Só que hoje, a semente deu sinais de brotamento. Então, fodam-se todos aqueles que dizem o contrário do modo como devo agir. Eu faço e pronto. Tenho livre arbítrio. A lei me garante alguns direitos, desde que eu não fira o dos outros. (Mais uma palavra horrível da língua portuguesa. Fira??? O que é isto?)

Pois é, meu coração está ferido, dilacerado pela arma mais mortal de Eros. A ponta da lança foi lá no fundo, onde guardo em um cofre os desejos mortais de todo ser humano normal, mas que resolvi há muito tempo não abrir. Acho que até joguei a chave fora. Engolida pelas entranhas de uma baleia imaginária que nada nas nuvens dos meus sonhos. Um dia vou passar a mão em uma jubarte em Abrolhos e quem sabe libertar a única senha que abrirá meu mais precioso tesouro. Ele foi lançado ao mar para ficar esquecido. Imóvel. E que ninguém ousasse tocá-lo nem lembrá-lo para despertar. Só que nos últimos dias, um ser infeliz, que não fez nada além de dar uma espiada por lá, conseguiu mexer na corrente que amarra a caixa de Pandora. Ela revirou a poeira, deslizou pela terra, caiu no meio de anêmonas e resolveu imergir. E agora está aqui tentando se abrir sozinha, remexendo, debatendo-se nas ondas, enfrentando os glóbulos vermelhos, tentando penetrar o plasma sanguíneo. E está batendo, insistindo para que eu a abra, pegue alguns papéis e os apresente ao mundo.

Tudo o que está acontecendo é muito surreal, assim como este texto, mas é natural em todos os seres humanos que foram atingidos pelo anjo mais charmoso da história grega.

            – Cupido, porque não fazes seu trabalho em outros cantos?, perguntaria. E logo em seguida eu mesmo já teria a resposta:

- Eu já disse que sou o alvo errado, apesar de que o mesmo raio sempre cai aqui em casa. E este é o trabalho de Zeus e não o seu.

Só que o Olimpo sempre está em confusão, assim como a minha terrena vida. E, mais uma vez, o soberano deus dos deuses ordenou uma missão a seu filho Eros.  A flecha de um sublime sentimento está tentando atravessar meu coração. O raio do amor foi descarregado nas profundezas dos meus segredos. Revirando o cofre que guardo a sete palmos abaixo do nível do mar.

Peço a outras entidades que atuem na reunião anual dos seres divinais para que resolvam rapidamente esta questão. Que o deus romano que domina o conhecimento do passado e do futuro, Jano, protetor de todo assunto concreto e abstrato, proteja-me, pois, novamente, eu me apaixonei.