domingo, 5 de junho de 2016

RETICÊNCIAS


        Era sexta-feira, à noite, após uma semana cansativa e desestimulante, momento para tirar o crachá da empresa e buscar casa, banho e cama. Queria conforto, deitar no sofá, deixar o tempo passar até a chegada do sono. Aquele dia eu merecia abraçar o nada, mas o instinto que mexe com sentimentos secretos dizia que era preciso mudar o rumo, fazer algo diferente da rotina. Motivado por nenhum motivo importante, talvez pela falta do que ver na televisão, resolvi encarar o trânsito caótico das dezoito horas, atravessar a cidade para assistir a uma palestra, cujo tema desconhecia. O palestrante era célebre, Gabriel Chalita, de currículo longo, educador, político, filósofo, escritor de 75 livros, colecionador de frases motivacionais. 
Começou a apresentação falando de sonhos, da busca deles, de como conquistar os objetivos pessoais e profissionais. Do palco, fez uma pergunta intrigante, que achei difícil responder. Mil vozes falavam na minha cabeça, mas nenhum nome se concretizava para virar palavra na boca. Permaneci mudo, reflexivo, cheio de interrogações. Muitos presentes no encontro possuíam um discurso pronto para ser usado em entrevistas de emprego, para conquistar a simpatia do departamento de recursos humanos. Chalita provocou seus ouvintes querendo saber quem era a pessoa que nos inspirava. Quem era um ser inspirador? Não valiam os parentes, pelo amor incondicional, nem personalidades do cenário multipartidário brasileiro, por causa da polêmica que iria gerar. 
- Quem te inspira? Ele repetia. 
Angústia no peito, logo para mim que não tenho medo de opinar, mas não sabia o que falar. Tentei “colar” algo das respostas que pipocavam na plateia, porém não concordava com nenhuma. De lugares diferentes surgiam os inspiradores: Barack Obama, Martin Luther King, Nelson Mandela, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá. Entre risadas saíam: meu avô, meu tio, meu colega aqui do lado. Eu apenas reagia discordando, mas nada de concretizar minha ansiedade para participar da dinâmica. Fiquei esperando outra lista, contudo ninguém mencionou uma turma popular que sempre aparece nesses questionamentos: Jesus, Che Guevara, Princesa Diana, Madonna, Renato Russo, Cazuza, os heróis que morreram de overdose, personagens que estampam as camisas das tribos urbanas. 
 - Quem me inspira? Eu repetia, voltando para casa, depois das palmas efusivas que encerraram a conversa com o famoso. 
A questão ainda me provoca até agora, enquanto vou preenchendo estas linhas. Tantos nomes vão saindo dos neurônios, quase uma explosão dos livros de um cartório de batismo. Todavia, confesso, estou num momento como o ruminar dos bovinos. Estou processando... mastigando... regurgitando... tentando resgatar referências lá no inconsciente para trazer à tona.  
  Assim, estão brotando notáveis, que fazem parte do meu universo de conhecimento, que são exemplos que admiro. Talvez as atitudes deles me inspiram mais do que a própria pessoa em si. Recordo-me do seringueiro Chico Mendes, que morreu lutando pela Amazônia, pelo meio ambiente. Paulo Coelho que foi insistente em seu sonho de ser escritor e conquistou leitores em todo o mundo. Gosto da garra e da liderança de Spartacus, o escravo que se tornou herói e abalou a poderosa Roma. A animação e a inteligência do octogenário Silvio Santos, que ainda trabalha e diverte diferentes gerações. Meu mestre e amigo, Padre Jayme Lopes Cançado, de uma inteligência incrível. 
        Pausa. O cérebro pediu arrego.
        Quem te inspira, leitor? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin