domingo, 15 de janeiro de 2017

NO PONTO DE ÔNIBUS


Mochila nas costas, sentado no ponto de ônibus em frente ao Hospital Militar, uma espera rápida. Véspera de natal, feriado. Sol mais quente do que o normal na capital mineira, óculos escuros para proteger a miopia, a solidão cessou com a chegada de uma criança e sua avó. Enquanto os conterrâneos Breno e Marina não apareciam para dar carona até Bom Despacho, a prosa ficou animada na avenida do Contorno. A menina, de uns oito anos, era espontânea, tagarela, boa de assunto. Aliás, muitos temas foram discutidos em apenas 15 minutos.

Disse boa tarde, ela já emendou a questão: “Até hoje você tem aula?”, movendo as mãos para segurar o rosto, parecendo assustada com o tamanho da minha mochila. Respondi que não, que estava de malas prontas para viajar e visitar a família. Informei-a que eu era professor. A criança, de um sorriso encantador, quis saber mais, porém, também fiz perguntas. Ela me disse que estava na terceira série, mas que não gostava de estudar. Era uma aluna que sentava no fundo, conversava demais e não tirava 10 nas provas. Contudo, não foi reprovada nem fez exames de recuperação. Chutei que a menina preferia as aulas de educação física e a hora do recreio. “Como você sabe disso? Você trabalha na minha escola?”, entregou-se espantada.

A avó balançou a cabeça concordando e se divertindo, fazendo um alerta: “Não dê corda. Ela é faladeira”. Sem dar chance para a repreensão, a menina apontou para os meus cabelos brancos. “Você é tão novinho e já tem esse tanto de cabelo branco. Credo”. “Culpa dos meus alunos que me dão dor de cabeça”, revelei achando graça. 

Em seguida, mudou o tópico da conversa. Contou que ganharia um cachorro naquele dia. Seria seu presente de natal. Não sabia a raça. A avó soprou: “Vira-lata”. “Não fala nada vó. Vira-lata não é raça. Meu cachorro é do veterinário”, disse a criança em um fôlego só. “Como ele se chamará?”, quis saber.  Rápida como um tiro, soltou: “Spike, pois é o nome do cachorro de estimação do disciplinário do meu colégio. Gostei desse nome também”. “Você sabe que eu detesto matemática?”, ela me perguntou assim que encerrou o papo sobre o animal que tanto esperava.

“Você já aprendeu a tabuada?”. Negou com a cabeça. “Sabe fazer os fatos?”. “Não sei do que você está falando”, ponderou sacudindo os ombros. “Ah, fazer conta. Já sei adição, subtração – D.E.T.E.S.T.O –, multiplicação”. Não perdi tempo e falei: “Se já conhece esses, logo, já aprendeu a fazer divisão”. Apontando o dedo indicador para mim, recriminou-me. Fez sinal de loucura com os dedos próximos às orelhas: “Não confunda minha cabeça. Custei a decorar adição, subtração, multiplicação, e agora aparece outra!?”. Suspirou profundamente mexendo no cabelo. “Não quero nem estudar mais depois de saber dessa informação”. Eu ri muito.

“Ah, menina! Você deve ser espoleta na escola e deixar seus professores malucos com essa agitação”, julguei-a. Ela nem se aborreceu. Deu gargalhada da minha colocação. E, claro, deu a resposta à altura: “Sou mesmo, mas se alguém mexer comigo na escola, minha avó vai lá, conversa com a diretora e faz o maior fuzuê”. O ônibus delas chegou.

Nos pensamentos refleti que a mulher faria uma confusão para defender a neta. Afinal, se a avó não tomasse partido, a própria menina resolveria tudo. O fuzuê seria pior. E mais divertido. 

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